Seja Bem Vinhoingrediente – Seja Bem Vinho http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br por Cristiana Couto Mon, 18 Nov 2013 13:33:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O maravilhoso mundo dos cogumelos http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/2012/06/22/o-maravilhoso-mundo-dos-cogumelos/ http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/2012/06/22/o-maravilhoso-mundo-dos-cogumelos/#respond Sat, 23 Jun 2012 00:45:56 +0000 http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/?p=650 Continue lendo →]]> Em 1873, Alexandre Dumas registrou em seu Grande Dicionário de Gastronomia: “Nada me assusta mais do que a aparição de cogumelos à mesa”. Eminente gastrônomo, Dumas, autor do clássico Os Três Mosqueteiros, temia morrer envenenado ao comer cogumelos. Para ele — e para os europeus do século 19 com paladar refinado —, o receio por aquilo que o escritor definiu como “planta esponjosa, sem ramos e sem folhas” vinha de longe. Cogumelos, assim como outros fungos, serviram como alimento desde os tempos pré-históricos – mas não a todas as pessoas, e não em todos os lugares e épocas. Cogumelos estimados, como as trufas, satisfizeram paladares exigentes na Grécia e na Roma antigas, e desde sempre foram iguarias caras. Na China, há milhares de anos, os cogumelos tinham valor tanto nutricional quanto medicamentoso.

Mas, durante a Idade Média, os médicos europeus passaram a classificar os cogumelos como alimentos não recomendados para a saúde. Isto porque, por serem “frios e úmidos”, não estavam, assim, próximos às condições do corpo quando saudável (“quente” e “seco”). E, ao longo da história, foi mais fácil encontrar opiniões de seus desafetos do que de entusiastas.

Numa enciclopédia inglesa sobre plantas do século 17, por exemplo, seu autor alerta: “A maioria dos cogumelos estrangula e sufoca o comensal”. Um médico da época também sustenta: “Eles não são convenientes para nenhuma idade, temperamento ou estação”. Num livro de cozinha do século 18, o cozinheiro, embora aparentemente favorável ao seu uso, previne: “Aqueles que os caçam devem ser extremamente cuidadosos”.

Esta última recomendação tinha, de fato, um fundo de verdade, pois muitas espécies silvestres desses fungos são venenosas. Uma delas é a Amanita muscaria, um cogumelo de chapéu vermelho e manchas brancas. Entretanto, o universo gastronômico dos cogumelos é imenso.

O hemisfério norte concentra a maior diversidade de fungos silvestres, os mais apreciados. Ao todo, calcula-se mais de mil espécies de cogumelos selvagens comestíveis, coletados em cerca de 80 países. O cuitlacoche (ou huitlacoche), por exemplo, é uma espécie de trufa mexicana. É um parasita que nasce nas espigas tenras do milho, e considerado até hoje uma iguaria no país. De cor cinza, tem a forma globosa e cresce entre os grãos do milho, na temporada das chuvas. É, talvez, um dos mais importantes fungos mexicanos, vendido nos mercados, em espigas ou já separados.

Além das famosas trufas brancas italianas do Piemonte e negras francesas do Périgord, há variedades menos conhecidas entre as cerca de 70 espécies de trufas existentes (32 delas brotam em solo europeu). Há uma espécie chinesa, muito inferior em sabor e frequentemente vendida como a verdadeira trufa negra; outra espécie cresce na Europa Central, no nordeste da Itália, na Turquia e no norte da África. Apreciadas na Antiguidade, as trufas foram vistas como manifestação do demônio durante a Idade Média, recobrando popularidade na Renascença. No século 19, atribuíram a elas poderes afrodisíacos.

Atualmente, um dos grandes negócios é o cultivo de trufas. Na França, já são 25 mil acres de truffières (plantações de trufas). Na última década, mais de 100 fazendas de trufas surgiram na Nova Zelândia, país onde parece ter havido uma das primeiras tentativas bem-sucedidas de inocular árvores hospedeiras com o fungo. As trufas vivem em simbiose com as raízes da árvore hospedeira. Elas exploram o solo atrás de água e de nutrientes minerais de que a árvore precisa e, em troca, esta fornece açúcares para que elas “frutifiquem”. Na natureza, elas competem por espaço no sistema radicular da planta em que se hospedam, o que limita a sua produção.

Mas, se as condições de vida na natureza de cogumelos silvestres são difíceis de serem reproduzidas em escala comercial, vários cogumelos são cultivados, há pelo menos 400 anos, em vários cantos do planeta. Isso se deu desde que o francês Olivier de Serres sugeriu um método de trabalho com o ingrediente em sua obra Le Théâtre d’Agriculture des Champs. Japoneses e chineses — líderes na exportação de cogumelos cultivados —, por exemplo, cultivam uma rara espécie de shiitake em troncos de carvalho japonês, embora as variedades de shiitake mais comuns sejam plantadas em eucalipto ou em sua serragem. Entre os cogumelos cultivados mais populares estão os cogumelos-de-paris, chamados assim por terem sido amplamente cultivados na capital francesa no século 19, inicialmente por cultivadores de melões. Consumido geralmente fresco, é um dos cogumelos mais versáteis e, hoje, crescem em caves, que permitem um ambiente controlado, livre de variações climáticas.

Os cogumelos têm, também, uma importância particular na cultura russa. A familiaridade com o fungo vem desde a infância — quando as crianças aprendem a letra “g” do alfabeto, a imagem é a de um cogumelo (grib, na língua russa).  Há uma hierarquia de preferência em escala nacional: os mais estimados são os cogumelos boletus, seguidos dos chanterelles. 

Shiitake e shimeji são, também, bastante apreciados em pratos orientais. Desidratados, concentram aroma e sabor. O shimeji, bastante comum nos mercados, é muito usado por seu sabor delicado. O cogumelo porcini é considerado o “rei” da cozinha italiana, por seu perfume único e pela fácil comercialização.

Muitos cogumelos comestíveis que existem no Brasil não são explorados na culinária. Um exemplo é a Oudemansiela camarii, uma espécie silvestre comestível e pouco conhecida em termos gastronômicos, encontrada na Mata Atlântica.

Quando consumidos frescos, a principal recomendação é não lavar os cogumelos: porosos, eles absorvem água, o que prejudica seu sabor e sua textura. A dica é limpá-los com uma escovinha apropriada.

Texto publicado na revista Sociedade da Mesa, março de 2012

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Da Canastra ao Tordesilhas http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/2012/05/22/da-canastra-ao-tordesilhas/ http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/2012/05/22/da-canastra-ao-tordesilhas/#comments Wed, 23 May 2012 02:48:57 +0000 http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/?p=495 Continue lendo →]]>

Queijos da Serra da Canastra, tema de festival no Tordesilhas (SP)

Nos primeiros dias de janeiro, entrevistei Mara Salles para uma reportagem sobre tendências gastronômicas para o caderno “Comida” da Folha. Na ocasião, a chef do Tordesilhas (SP) estava às voltas com pesquisas sobre queijos brasileiros. Sua intenção era focar no registro sistemático das técnicas aplicadas pelo pequeno produtor com seu próprio produto. “A primeira pesquisa será com queijos mineiros artesanais do Alto Paranaíba e das serras da Canastra e do Salitre”, anunciara ela.

Parte deste trabalho já pode ser conferido a partir do dia 29 de maio, quando o restaurante prepara o festival Queijo, Soro, Nata, Canastra, com pratos preparados com o queijo da Serra da Canastra e seus derivados. “Esses pequenos produtores preparam receitas que vão além do bom e velho pão de queijo: usam a raspa do tacho onde fizeram o requeijão, cozinham com o soro e a casca do queijo”, adiantara ela.

Para realizar a pesquisa, Mara viajou para a Serra da Canastra em duas ocasiões, visitou produtores, dormiu no sítios deles e trouxe na mala derivados do produto, como nata, soro e, claro, vários queijos. Ivo Ribeiro, sócio do restaurante, diz que o evento vai além de uma experiência gastronômica. “É, também, um ato de protesto contra a absurda proibição do comércio de queijos artesanais, produzidos com leite cru, fora do estado de Minas”.

Ribeiro refere-se à limitação, baseada numa legislação federal de 1952 e amparada por diversas portarias, que restringe o trânsito de derivados de leite cru. Atualmente, os queijos só podem circular pelo país se tiverem um prazo de maturação mínimo de sessenta dias.

Ovo caipira pochê em soro, um dos pratos do festival

O evento, que acontece somente no jantar até o dia 2 de junho, traz entre os pratos o tradicional lobozó, que leva vegetais, ovos, queijo, cebolinha e farinha de milho; ovo caipira pochê em soro da Fazenda Matinha de Ouro e lâminas de pancetta tostadas, com toque de pimenta jiquitaia e talharim de abobrinha aos 3 queijos (fresco, meia-cura e curado) e tomates confitados com aliche. De sobremesa, frutas frescas e compotas com nata da Canastra e renda de queijo.

O cardápio, com seis tempos, custa R$ 95 (como sempre, um preço muito justo). Durante os jantares, serão servidos ainda uma degustação de queijos acompanhados de cachaças e a apresentação do filme de Helvécio Raton, “O Mineiro e o Queijo”.

Frutas e compotas com nata e renda de queijo

O queijo
A Serra da Canastra é uma das microrregiões produtoras de queijo artesanal em Minas Gerais. Localizada a sudoeste do estado, próximo à divisa com São Paulo, a região tem mais de 7 mil quilômetros quadrados e reúne cerca de 1.600 produtores de queijo. Lá, são produzidos anualmente mais de 7 mil toneladas do produto. Outras regiões mineiras tradicionalmente reconhecidas são a Serra do Salitre (ou Alto do Paranaíba), a região do Serro e a de Araxá. Nessas áreas, queijos são produzidos de forma tradicional desde o século 18.

Segundo Ribeiro e Mara, a produção de queijo da Canastra não foi alterada desde então: as etapas de produção começam com a coagulação do leite, em que são acrescentados o coalho (atualmente industrializado) e o pingo (um resíduo líquido, o último soro, usado na remessa seguinte). Estes são insumos que, ao lado das características do território – clima, solo, relêvo e pasto – são responsáveis pelo sabor (forte) e textura (cremosa) do queijo. Depois, vem a prensagem, a salga e a maturação. Por último, acontece a rala, que retira o excesso de sal e é responsável pelo acabamento do produto.

o quê: Queijo, Soro, Nata, Canastra
quando: 29/5 a 2/6 (jantar)
quanto: R$ 95
onde: restaurante Tordesilhas (rua Bela Cintra, 465, São Paulo). Reservas pelo tel. 11/3107-7444

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Eu só quero beterraba! http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/2012/05/08/fsfsdd/ http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/2012/05/08/fsfsdd/#respond Tue, 08 May 2012 03:02:40 +0000 http://sejabemvinho.blogfolha.uol.com.br/?p=425 Continue lendo →]]>
Em 1600, Olivier de Serres, agrônomo francês que se autoproclamava divulgador de novos produtos na França, dizia que as folhas da beterraba eram boas para comer. Mas se Serres se referiu ao gosto – naquele tempo, plantas de gosto doce eram muito apreciadas  – ou aos benefícios à saúde desta raiz tuberosa, pouco importa. A beterraba é rica em ferro, tanto na raiz quanto nas folhas, além de ter um gosto particular.

De fato, no século 18, a beterraba foi selecionada como uma cultura das mais importantes na Europa pelo seu alto teor de açúcar. Extraí-lo foi um dos maiores desenvolvimentos agrícolas no norte do continente durante o século 19. A partir das guerra napoleônicas, o açúcar da beterraba transformou-se num produto central da economia europeia: com a proibição da importação de produtos trazidos pelos ingleses feita por Napoleão, o açúcar da cana desapareceu, e a beterraba tornou-se, então, a melhor alternativa para a obtenção do produto.

Foram as experiências com esta tuberosa na Alemanha que deitaram as bases da tecnologia de extração de seu açúcar. A partir de políticas públicas de incentivo, a indústria do açúcar de beterraba expandiu-se, e seu cultivo e processamento espalhou-se por toda a Europa, além de alcançar a América, a Ásia e a África.

Seu cultivo, entretanto, é bastante antigo. Theophrastus, escritor grego, já se referia à planta, cujas diferentes variedades eram cultivadas nas proximidades do Mediterrâneo. De fato, o autor separava os tipos mais avermelhados daqueles de cor mais clara. Sabe-se, ainda, que as folhas da beterraba silvestre, ancestral das variedades cultivadas, eram coletadas e comidas como um espinafre. Até hoje, aliás, países como a Inglaterra preparam suas folhas à maneira do espinafre – que, ao lado da acelga, compõe a mesma família botânica da beterraba.

Entre os romanos e os gregos, suas folhas também passaram a ser usadas como importante suplemento alimentar. Os gregos chamavam a beterraba de “teutlon”. Textos assírios do século 9 antes de Cristo informam que a beterraba era cultivada nos jardins dos reis babilônicos, sob o nome de “silga”. Mas foi nos textos deixados pelos romanos, perto da era cristã, que o termo Beta – que atualmente designa o seu gênero botânico – foi criado.

Raiz tuberosa, originária da Europa, a beterraba pertence à família Quenopodiácea. Existem basicamente tipos: a açucareira, usada na produção de açúcar, a beterraba forrageira, utilizada para a alimentação animal e aquela cujas raízes são consumidas como hortaliça, sendo a mais conhecida no Brasil. Entre as variedades, existem as mais alongadas, que têm mais sabor e são mais doces do que as de aspecto arredondado, que são mais cultivadas. Sua cor escarlate deve-se aos pigmentos betacianina e betaxantina

Na Alemanha, as beterrabas pequenas são servidas em conserva, como se fossem picles, para acompanhar carnes cozidas. Na Inglaterra, são usadas em saladas desde meados do século 17. Em um livros de receitas inglês dedicado somente às saladas, a recomendação de seu autor, John Evelyn, era utilizá-la em fatias finas, já cozidas, como uma opção de salada de inverno. Ainda nessa época encontram-se receitas de beterrabas fritas, que serviam como guarnição para peixes.

Mas é nas cozinhas da Europa Central e Oriental que a sua presença na culinária é mais marcante. O termo russo borshch (ou borsch) designa, por exemplo, uma enorme variedade de sopas de beterraba em países como a Lituânia, a Polônia e a Ucrânia. Neste último, aliás, pleiteia-se esse prato como sendo original do país, embora ele ofereça muitas versões. Seus ingredientes são beterraba, caldo de carne ou cogumelos e creme azedo por cima. A botvinya é uma sopa russa meio doce, meio azeda, feita com as folhas da raiz, acrescidas de espinafre e azedinha. Entre os temperos que combinam com ela estão a noz-moscada, o cravo-da-índia, limão e laranja, alho, salsa e cebola.

Publicada na revista Sociedade da Mesa, fevereiro de 2012

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