Eu só quero beterraba!
08/05/12 00:02
Em 1600, Olivier de Serres, agrônomo francês que se autoproclamava divulgador de novos produtos na França, dizia que as folhas da beterraba eram boas para comer. Mas se Serres se referiu ao gosto – naquele tempo, plantas de gosto doce eram muito apreciadas – ou aos benefícios à saúde desta raiz tuberosa, pouco importa. A beterraba é rica em ferro, tanto na raiz quanto nas folhas, além de ter um gosto particular.
De fato, no século 18, a beterraba foi selecionada como uma cultura das mais importantes na Europa pelo seu alto teor de açúcar. Extraí-lo foi um dos maiores desenvolvimentos agrícolas no norte do continente durante o século 19. A partir das guerra napoleônicas, o açúcar da beterraba transformou-se num produto central da economia europeia: com a proibição da importação de produtos trazidos pelos ingleses feita por Napoleão, o açúcar da cana desapareceu, e a beterraba tornou-se, então, a melhor alternativa para a obtenção do produto.
Foram as experiências com esta tuberosa na Alemanha que deitaram as bases da tecnologia de extração de seu açúcar. A partir de políticas públicas de incentivo, a indústria do açúcar de beterraba expandiu-se, e seu cultivo e processamento espalhou-se por toda a Europa, além de alcançar a América, a Ásia e a África.
Seu cultivo, entretanto, é bastante antigo. Theophrastus, escritor grego, já se referia à planta, cujas diferentes variedades eram cultivadas nas proximidades do Mediterrâneo. De fato, o autor separava os tipos mais avermelhados daqueles de cor mais clara. Sabe-se, ainda, que as folhas da beterraba silvestre, ancestral das variedades cultivadas, eram coletadas e comidas como um espinafre. Até hoje, aliás, países como a Inglaterra preparam suas folhas à maneira do espinafre – que, ao lado da acelga, compõe a mesma família botânica da beterraba.
Entre os romanos e os gregos, suas folhas também passaram a ser usadas como importante suplemento alimentar. Os gregos chamavam a beterraba de “teutlon”. Textos assírios do século 9 antes de Cristo informam que a beterraba era cultivada nos jardins dos reis babilônicos, sob o nome de “silga”. Mas foi nos textos deixados pelos romanos, perto da era cristã, que o termo Beta – que atualmente designa o seu gênero botânico – foi criado.
Raiz tuberosa, originária da Europa, a beterraba pertence à família Quenopodiácea. Existem basicamente tipos: a açucareira, usada na produção de açúcar, a beterraba forrageira, utilizada para a alimentação animal e aquela cujas raízes são consumidas como hortaliça, sendo a mais conhecida no Brasil. Entre as variedades, existem as mais alongadas, que têm mais sabor e são mais doces do que as de aspecto arredondado, que são mais cultivadas. Sua cor escarlate deve-se aos pigmentos betacianina e betaxantina
Na Alemanha, as beterrabas pequenas são servidas em conserva, como se fossem picles, para acompanhar carnes cozidas. Na Inglaterra, são usadas em saladas desde meados do século 17. Em um livros de receitas inglês dedicado somente às saladas, a recomendação de seu autor, John Evelyn, era utilizá-la em fatias finas, já cozidas, como uma opção de salada de inverno. Ainda nessa época encontram-se receitas de beterrabas fritas, que serviam como guarnição para peixes.
Mas é nas cozinhas da Europa Central e Oriental que a sua presença na culinária é mais marcante. O termo russo borshch (ou borsch) designa, por exemplo, uma enorme variedade de sopas de beterraba em países como a Lituânia, a Polônia e a Ucrânia. Neste último, aliás, pleiteia-se esse prato como sendo original do país, embora ele ofereça muitas versões. Seus ingredientes são beterraba, caldo de carne ou cogumelos e creme azedo por cima. A botvinya é uma sopa russa meio doce, meio azeda, feita com as folhas da raiz, acrescidas de espinafre e azedinha. Entre os temperos que combinam com ela estão a noz-moscada, o cravo-da-índia, limão e laranja, alho, salsa e cebola.
Publicada na revista Sociedade da Mesa, fevereiro de 2012