Um barista brasileiro na Áustria
09/06/12 22:44Publiquei este mês na revista Menu uma reportagem com o vencedor do Campeonato Brasileiro de Barista, que irá competir, no dia 12, com os melhores profissionais do mundo no World Barista Championship. Boa sorte, Rafael Godoy!
No dia 10 de junho, vinte quilos de café brasileiro irão voar rumo à Viena para uma missão especial. É na capital austríaca que acontece, entre os dias 12 e 15 de junho, a 13a edição do World Barista Championship (Campeonato Mundial de Barista), a maior competição do mundo na categoria. Desde 2002 o evento tem um representante brasileiro. Neste ano, o escolhido é Rafael Godoy, de 23 anos, do Suplicy Cafés Especiais. Os grãos na bagagem do barista são sua arma para encantar os jurados internacionais e tentar trazer para o Brasil, o maior produtor de cafés do mundo, o título inédito.
Desde que sagrou-se campeão brasileiro, em março, a vida do jovem mudou. Atrás de uma máquina de espresso, numa sala silenciosa e sem janelas no segundo andar da unidade da cafeteria localizada nos Jardins, Rafael dedica-se oito horas diárias a montar sua apresentação para o campeonato. “Todos os dias eu penso: se fosse embarcar amanhã, o que precisaria melhorar?”, conta ele, que chega a treinar doze horas seguidas nos fins de semana.
Este ano, Rafael irá competir com baristas de 60 países. Todos seguirão o mesmo protocolo, que consiste numa apresentação de 15 minutos, dividida entre o preparo de quatro espressos, quatro cappuccinos e quatro bebidas criativas à base de café. Os profissionais serão avaliados por seis juízes em diversos critérios, que incluem conhecimentos técnicos — como o tempo de extração do espresso — e qualidades sensoriais das bebidas, como sabor, textura e apresentação. “Temos que mostrar tudo o que sabemos em quinze minutos”, considera Rafael.
Mas participar de uma competição de nível mundial, que pode da noite para o dia transformar o profissional do café numa celebridade, envolve diversas variáveis, a começar pela comunicação. Para adquirir fluência na língua oficial do evento, Rafael tem aulas de inglês três vezes por semana. Também lê livros, assiste a filmes e ouve música diariamente no idioma. “Não sei mais o que é assistir TV em português”, brinca.
Escolher as palavras exatas numa língua que ainda não domina é só um de seus desafios. Na disputa com os atuais favoritos, os norte-americanos, Rafael terá que ter veia de artista. “Eles fazem um verdadeiro show, sabem cativar os juízes”. Como na produção de um filme, o brasileiro monta seu cenário: já escolheu, por exemplo, a roupa (black tie) e as xícaras (que chegaram dos Estados Unidos) que irá usar. Seu roteiro também traz instruções precisas: “Devo falar sempre de frente para os juízes, olhá-los nos olhos e mostrar simpatia”, esclarece. Para tornar sua performance digna de um campeonato mundial, Rafael repete à exaustão, a semanas, os mesmos movimentos, que devem ser econômicos e precisos, diante da máquina de espresso, o que já consumiu cerca de duzentos quilos de café e cem litros de leite. “Seja um robozinho, essa é a dica”, sentencia ele. Mas ele sabe que, assim como no cinema, o que vai segurar o espectador diante da tela é o argumento central do filme: traduzindo, seu café na xícara. “Não importa se apresento minha bebida decorada com pó de ouro, mas se ela é realmente boa”.
Foi a escolha do café, portanto, que consumiu as últimas semanas de treinamento do barista brasileiro. “Estava atrás de um café que fosse especial”, conta. Depois de provar mais de 30 grãos brasileiros de diferentes origens, escolhidos a dedo por experts brasileiras — como a barista Isabela Raposeiras, do Coffee Lab (SP), e Georgia Franco, da Lucca Cafés Especiais, de Curitiba —, Rafael chegou ao enredo final. O blend (ou mistura) que apresentará em Viena combina cafés de duas fazendas: Santa Alina, localizada em São Sebastião da Grama, na região da Mogiana, e Fazenda Bateia, no Espírito Santo. “O café Santa Alina tem doçura, acidez e aroma de frutas, chocolate e caramelo”, explica Rafael. O grão capixaba contribuiu com corpo, acentuou a acidez e trouxe novos aromas ao blend, como o de jasmim. A partir desse perfil sensorial é que Rafael dá os toques finais na receita de seu drinque à base de café: “Vou usar uma redução de uvas com fava de baunilha e geleia de jasmim”, informa.
Depois da seleção dos grãos., é preciso acompanhar de perto o “comportamento” do café que, por ser muito fresco (a colheita dos grãos no Brasil começa geralmente em abril), muda diariamente. Além do café, outras variáveis estão em jogo na etapa final: ao chegar em Viena, Rafael terá que testar a extração dos grãos com a água local, cuja diferença na presença ou na proporção de componentes minerais afeta o resultado final da bebida. “Também terei que escolher entre dezesseis marcas diferentes de leite para fazer o cappuccino”, conta ele. Para ajudá-lo nos últimos preparativos, estava prevista a chegada a São Paulo do atual campeão mundial Alejandro Mendes, de El Salvador.
Para trazê-lo, Marco Suplicy, que acompanha a evolução de seu barista de perto, teve o apoio da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais). “Embora pareça, não somos uma empresa grande”, justifica Suplicy, que calcula os custos da empreitada rumo à Viena em 50 mil dólares. Mas o investimento vale a pena. Desde 2003, quando abriu as portas, a Suplicy Cafés Especiais tem sempre um barista da casa entre os finalistas do certame nacional. Dois deles já representaram o país no WBC: Priscila Souza, em 2004, e Yara Thaís Castanho, em 2009 e 2010. “O profissional cresce e, com ele, toda a equipe. Rafael já não é o mesmo barista que ganhou o campeonato nacional em março”, avalia Suplicy. Embora a melhor colocação brasileira no WBC seja o sexto lugar, conquistado pela barista Silvia Magalhães (à época no Octavio Café) em 2007, Rafael não desanima. “Quase todos os que ganharam o mundial estavam competindo pela segunda ou terceira vez”, explica ele. “Quero mostrar que o Brasil pode vir a ser o país número 1 do café, em todos os aspectos”, promete.