Entrevista: Wanderson Medeiros
20/06/12 23:48No dia 11 deste mês, Wanderson Medeiros, do restaurante Picuí de Alagoas, foi eleito chef-revelação pela revista Prazeres da Mesa. Vale, pois, conhecer um pouco do trabalho deste cozinheiro, que faz uma cozinha nordestina renovada, na entrevista a seguir, que publiquei em maio na revista Sociedade da Mesa.
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O cozinheiro paraibano Wanderson Medeiros vem se tornando conhecido por praticar o que ele chama de “nova cozinha nordestina”. A utilização de ingredientes locais com uma nova roupagem tornou conhecido o seu restaurante Picuí, em Maceió, e lhe vale a indicação ao prêmio de chef-revelação promovido anualmente pela revista Prazeres da Mesa. “Não é só uma boa coisa para mim, mas para a cidade”, diz Medeiros. “Nós, cozinheiros do Nordeste, temos dificuldade em ser lembrados”, emenda. Responsável por um quadro culinário de sucesso na tevê alagoana e estreando mais um em Aracaju, onde abriu há alguns meses uma filial de seu restaurante, Wanderson é um especialista na produção da carne-de-sol, o carro-chefe do cardápio do Picuí. Pelas suas mãos, carnes de avestruz, pato e cordeiro, salgadas e curadas, ganham versão nordestina e bem moderna.
Como você se interessou pela profissão?
Quando abrimos o restaurante, eu tinha 11 anos e comecei a trabalhar nele como garçom porque queria comprar um aquário. Meu vício de trabalhar começou aí. Quando eu era pequeno, porém, eu ajudava a pintar uns docinhos que eram feitos no café da minha avó –um espaço na casa dela, que ficava na rua da feira e onde ela servia chá, bolos e sequilhos para os clientes e feirantes. Em 1999, fui cursas administração. No meu primeiro dia de aula, meu pai me entregou definitivamente o restaurante. Quando terminei a faculdade, decidi fazer um curso básico de cozinha, de 3 meses. Descobri então o que eu realmente queria fazer.
Você é um especialista na produção de carne-de-sol. Conte como isso começou.
Produzimos carne-de-sol há quatro gerações. Meu bisavô, Anacleto, começou a fazê-la em 1890. Meu avô vendia as carnes em malas de couro. Os cortes mais nobres, que eram os mais macios e diferentes dos cortes de hoje, eram reservados às pessoas importantes da cidade, como o prefeito. Em 1989, meus pais mudaram-se para Maceió e abriram lá o restaurante Picuí. No início, só havia carne-de-sol no cardápio, que nos três primeiros anos ainda era produzida pelo meu pai. Hoje, produzimos cerca de 2 toneladas ao mês, a partir de diferentes cortes e animais. Usamos também a técnica de sous vide (cozimento a vácuo), que as torna mais macias e suculentas.
Você tem sido conhecido como um chef da “nova cozinha nordestina”. Como é essa sua proposta?
A vida inteira, tive contato com os ingredientes nordestinos, principalmente os mais simples. Como eu já cozinhava e não tinha a chance de estudar gastronomia fora de Maceió, tive que criar com os sabores que eu conhecia – naquela época, muitos ingredientes não chegavam a Maceió. Mas sempre me preocupei com a estética e a apresentação do prato. O ingrediente era simples, mas eu deixava o prato com uma cara mais bonitinha. Daí, batizamos esse trabalho como nova cozinha nordestina. Em 2006, criamos o cardápio Picuí Gourmet, servido só à noite e que incluía algumas criações, como risoto de coalho com carne-de-sol, carne-de-sol com molho de gorgonzola e arroz de castanhas. Temos no cardápio fixo, por exemplo, o coalho em chamas – que é o coalho dourado na manteiga de garrafa, com suco de laranja. Sua montagem é feita num prato fundo, e ele é decorado com folhas de manjericão e tomate seco (que produzimos aqui). Na mesa, o garçom coloca o Cointreau e o flamba. As pessoas, então, foram despertando: “esse garoto faz umas coisas interessantes”. Em 2003, eu já fazia sorvete de rapadura, carne-de-sol na abóbora com molho de queijo coalho e tilápia dourada em óleo de coco e servida sobre legumes, com ervas e redução de balsâmico e mel de engenho. Nem tinha tanto conhecimento técnico para fazer esses pratos, mas já queria fazê-los. Naquela época, eu também não achava bacana pratos pequenos e montados. Depois a gente amadurece e vê que cada prato tem o seu valor. Daí, decidi fazer uma cozinha com mais detalhes: enfiei a cabeça nos livros e viajei para aprender, para ter inspiração e ver o que acontecia em restaurantes como o meu.
Que viagens mais te marcaram?
Comecei a ir para o Recife, que tinha uma gastronomia mais desenvolvida. Ia lá para comprar louças mais bacanas e aproveitava para visitar os restaurantes – já era fã do César Santos, da Oficina do Sabor, por exemplo. Depois fui a São Paulo, onde conheci chefs como o Rodrigo Oliveira (Mocotó), e comi pela primeira vez vieiras e foie gras. Foram as primeiras viagens com intuito gastronômico. Até alguns anos atrás, eu viajava com amigos para ir a festas por todo o Brasil, mas aproveitava para comer em bons restaurantes em cidades como Salvador, Rio de Janeiro e Florianópolis. Há 4 anos, comecei realmente a fazer viagens gastronômicas, e amadureci muito.
Quais são os pratos mais emblemáticos do seu restaurante?
Estamos lançando um novo cardápio este mês. Nele, temos alguns pratos com essa pegada mais gastronômica. Não são muitos, pela dificuldade de ter uma equipe que os faça na minha ausência. E também porque é muito difícil concorrer com minha carne-de sol! Por exemplo, temos um prato maravilhoso – uma costelinha com batata doce e arroz de brócolis. É um prato muito aceito hoje, mas era difícil pedirem a costelinha no lugar da carne-de-sol. Ela continua sendo o que melhor define o restaurante. Temos carne-de-sol de contrafilé, de filé mignon, de picanha, de cordeiro e o novo magret de sol, que é uma carne-de-sol de pato. Nas aulas sobre carnes secas que dou, é a carne que eu executo, para mostrar que o processo de salga é muito versátil, não se restringe à carne de boi. Vamos incluir também a avestruz de sol e a carne-de-sol de porco.
Você está feliz com a indicação de chef-revelação pela revista Prazeres da Mesa? Que resultado esse prêmio pode trazer (a data prevista para o anúncio do prêmio é 11 de junho, após o fechamento desta edição)?
Eu confesso que, quando vi a indicação, achei que estava errada! A primeira etapa foi uma seleção feita por jornalistas e gastrônomos. A segunda fase tem o voto do público. Eu sou tímido, e ficaria calado, sem fazer barulho com a indicação. Mas daí pensei que nós, do Nordeste, temos dificuldade em ser lembrados, principalmente Alagoas. Daí, imaginei que seria bom para nós. Fiquei muito feliz, não esperava. Sempre tentei fazer meu trabalho da melhor maneira possível. Quando saiu a indicação, comunicamos a imprensa, e, por aqui, saiu em todos os jornais, na tevê. As pessoas começaram a entender que não é um prêmio meu, mas para a cidade.
Você também apresenta um programa na TV local, certo? Conte um pouco sobre ele.
Nesses cinco anos do programa Feito pra Você, fizemos mais de mil receitas. Foi a coisa mais bacana, pois pude ter contato com todo tipo de ingrediente – como quiabo, polvo ou castanha, que normalmente não usaria na minha cozinha. O programa começou em 2008 já comigo – é um quadro de culinária, com 6 a 8 minutos de duração, que gravamos no primeiro andar do restaurante. Nele, fazemos todo tipo de prato, desde bolo de liquidificador assado no micro ondas até coisas os mais elaborados, como uma moqueca. Fizemos até foie gras. Tentamos incluir ingredientes diferentes para torná-lo variado, embora as receitas mais acessadas no site sejas as mais comuns, que as donas de casa fazem. Às vezes, convido outros cozinheiros, quase todos de Maceió, como o jovem Jonatas Moreira, que tem o Akuaba, um restaurante de cozinha baiana, e uma técnica muito apurada. Alguns chefs que convidei para virem ao meu restaurante também participaram, como o André Falcão, do La Pasta Galleria de Recife, e a Renata Cruz, do restaurante Amici (SP). Por causa desse quadro, até o horário do jornal da Globo mudou!
Você tem outros projetos?
No final do ano passado, inauguramos o restaurante de Aracaju, o Picuí Gourmet. Servimos muito frutos do mar, como sururu (molusco dentro de duas conchas, muito popular no Nordeste) e siri. Treinei um chef para ficar em Aracaju nos primeiros meses. Nele, fizemos uma cozinha no salão, como no de Maceió, que usamos para aulas e eventos. As pessoas estão mais curiosas sobre o que estão comendo. Também pretendo que nele exista o Picuí convida, que recebe cozinheiros de outros lugares para um grupo pequeno de pessoas. Também acabamos de estrear um quadro de culinária no programa local de maior audiência em Sergipe, o Você em Dia. No mais, meu projeto é descobrir ingredientes locais, mas que não são muito comuns na nossa cozinha.