Da Canastra ao Tordesilhas
22/05/12 23:48Nos primeiros dias de janeiro, entrevistei Mara Salles para uma reportagem sobre tendências gastronômicas para o caderno “Comida” da Folha. Na ocasião, a chef do Tordesilhas (SP) estava às voltas com pesquisas sobre queijos brasileiros. Sua intenção era focar no registro sistemático das técnicas aplicadas pelo pequeno produtor com seu próprio produto. “A primeira pesquisa será com queijos mineiros artesanais do Alto Paranaíba e das serras da Canastra e do Salitre”, anunciara ela.
Parte deste trabalho já pode ser conferido a partir do dia 29 de maio, quando o restaurante prepara o festival Queijo, Soro, Nata, Canastra, com pratos preparados com o queijo da Serra da Canastra e seus derivados. “Esses pequenos produtores preparam receitas que vão além do bom e velho pão de queijo: usam a raspa do tacho onde fizeram o requeijão, cozinham com o soro e a casca do queijo”, adiantara ela.
Para realizar a pesquisa, Mara viajou para a Serra da Canastra em duas ocasiões, visitou produtores, dormiu no sítios deles e trouxe na mala derivados do produto, como nata, soro e, claro, vários queijos. Ivo Ribeiro, sócio do restaurante, diz que o evento vai além de uma experiência gastronômica. “É, também, um ato de protesto contra a absurda proibição do comércio de queijos artesanais, produzidos com leite cru, fora do estado de Minas”.
Ribeiro refere-se à limitação, baseada numa legislação federal de 1952 e amparada por diversas portarias, que restringe o trânsito de derivados de leite cru. Atualmente, os queijos só podem circular pelo país se tiverem um prazo de maturação mínimo de sessenta dias.
O evento, que acontece somente no jantar até o dia 2 de junho, traz entre os pratos o tradicional lobozó, que leva vegetais, ovos, queijo, cebolinha e farinha de milho; ovo caipira pochê em soro da Fazenda Matinha de Ouro e lâminas de pancetta tostadas, com toque de pimenta jiquitaia e talharim de abobrinha aos 3 queijos (fresco, meia-cura e curado) e tomates confitados com aliche. De sobremesa, frutas frescas e compotas com nata da Canastra e renda de queijo.
O cardápio, com seis tempos, custa R$ 95 (como sempre, um preço muito justo). Durante os jantares, serão servidos ainda uma degustação de queijos acompanhados de cachaças e a apresentação do filme de Helvécio Raton, “O Mineiro e o Queijo”.
O queijo
A Serra da Canastra é uma das microrregiões produtoras de queijo artesanal em Minas Gerais. Localizada a sudoeste do estado, próximo à divisa com São Paulo, a região tem mais de 7 mil quilômetros quadrados e reúne cerca de 1.600 produtores de queijo. Lá, são produzidos anualmente mais de 7 mil toneladas do produto. Outras regiões mineiras tradicionalmente reconhecidas são a Serra do Salitre (ou Alto do Paranaíba), a região do Serro e a de Araxá. Nessas áreas, queijos são produzidos de forma tradicional desde o século 18.
Segundo Ribeiro e Mara, a produção de queijo da Canastra não foi alterada desde então: as etapas de produção começam com a coagulação do leite, em que são acrescentados o coalho (atualmente industrializado) e o pingo (um resíduo líquido, o último soro, usado na remessa seguinte). Estes são insumos que, ao lado das características do território – clima, solo, relêvo e pasto – são responsáveis pelo sabor (forte) e textura (cremosa) do queijo. Depois, vem a prensagem, a salga e a maturação. Por último, acontece a rala, que retira o excesso de sal e é responsável pelo acabamento do produto.
o quê: Queijo, Soro, Nata, Canastra
quando: 29/5 a 2/6 (jantar)
quanto: R$ 95
onde: restaurante Tordesilhas (rua Bela Cintra, 465, São Paulo). Reservas pelo tel. 11/3107-7444